Pedestal: quem você colocou lá?

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Muitas pessoas acham que não fazem isso, mas fazem. Colocar alguém no pedestal é o equivalente a achar que a pessoa pela qual você nutre um sentimento forte é alguém que jamais poderia te deixar, de nenhuma maneira. 

E uma maneira de você garantir que essa pessoa não saia da sua vida é fazendo de tudo para agradar essa pessoa. É aí que mora o problema.

Pessoas são insuficientes e incompletas por natureza. Ninguém consegue e nunca conseguirá suprir alguém em sua totalidade. Para isso ser possível, ela teria de ter algum poder divino consigo, algo sobrenatural. Como nós, seres humanos, não temos esse poder sobrenatural originado puramente de nós mesmos, é ilusão achar que alguém conseguirá nos completar 100%.

E, esse desejo de alguém que nos complete 100%, esconde uma preguiça: de eu ter que fazer isso para comigo mesmo. Por minha preguiça, eu não entendo que a participação do outro na minha vida deverá de ser apenas de coadjuvante. Porém, o papel principal dentro da minha vida é meu, pois sou eu quem vivo dentro dela.

Por isso, a ideia de companheirismo em relacionamentos é totalmente distorcida hoje em dia. As pessoas não sabem fazer companhia uma para com as outras mais. Elas querem que as pessoas façam um show acontecer na vida, que é delas, enquanto elas ficam de expectadoras, assistindo alguém tendo que virar do avesso para tentar tornar a vida dela mais emocionante. Um erro grave!!!

Quando isso está assim, sem ter noção da gravidade, o outro até acaba aceitando fazer um “show” na tentativa de conseguir fazer a outra pessoa feliz. A fase da conquista é sempre assim: juras de amor, esforços incalculáveis para conseguir despertar um sentimento no coração da(o) amada(o), loucuras de amor e muita entrega ao prazer. A vontade é de ficar eternamente vivendo essas sensações que o outro é capaz de despertar e não fazer mais nada na vida, só viver de amor. A fase encantada da paixão amorosa!

Quando a ilusão da paixão passa, a vida se impõe: a pessoa vê que, individualmente, ela tem que pagar as contas, passa raiva no trabalho, cansaço físico, mau-humor, estresse, dificuldades familiares, entre outras coisas. E como essa pessoa tem uma vida para tomar conta e dar atenção, toda aquela atenção que estava sendo praticamente 100% dedicada ao ser humano alvo do “amor”, precisa ser dividida com outras coisas e, inclusive, pessoas.

Daí, a pessoa passa a ter que dar atenção não só para a(o) amada(o), mas também para a mãe, o chefe, amigos(as), parentes, para o carro, para o trabalho, para a vida acontecendo; e nós precisando corresponder à essas demandas da vida.

Quando a pessoa, acostumada ao pedestal que estava, se vê obrigada(o) a entender que não é o(a) suprassumo da bala chita, a frustração acontece, juntamente com um comportamento tirânico de quem era o semi-deus no pedestal: a exigência de retornar ao pedestal novamente! E ai de quem não colocar a pessoa lá de volta.

E geralmente, colocamos pessoas no pedestal, porque também queremos que essas pessoas nos coloquem no pedestal da vida delas. O ato de colocar alguém no pedestal é fazer a pessoa estar em primeiro lugar na vida. Uma idolatria humana, em outras palavras. 

E quando “idolatramos” alguém (imperfeito, por sinal), queremos a retribuição. Queremos que a outra pessoa também nos coloque em primeiro lugar na vida dela, sendo que em nenhum momento houve um combinado entre as pessoas para que isso fosse estabelecido.

Surge então o problema da presunção. A pessoa faz, achando que o outro vai corresponder. Porém, a pessoa se esquece de que todo ser humano tem o direito da recusa. E quando a recusa acontece, o presunçoso se magoa. Quase uma forma de chantagem. Para não dizer que é chantagem mesmo. E das mais chatas.

Isso acontecendo, começam os desgastes: brigas, ofensas, desentendimentos. A outra pessoa se vê em prejuízo: “eu me doei tanto e você não fez nada por nós.”. Na verdade, ela não se doou. Apenas quis fazer promessas (ou dar a entender) de que, caso recebesse do outro a atenção absoluta, ao ponto de ser promovida ao status de “colocada no pedestal da vida do Fulano(a)”, ela poderia doar algumas migalhas de atenção em “retribuição” a tanto esforço do outro em fazer alguém feliz, para só assim, serem felizes. Mas a pessoa teria de dar a atenção incondicional primeiro, pois o “prêmio” seria grande… A pessoa faz. E o prêmio? Nunca vem. E ficam nisso ad infinitum. Manipulação pura!

Quando o outro se cansa e começa a querer ir achar coisa mais interessante para fazer, a outra pessoa não deixa. Cobra, proíbe, cerca, implica, coloca no outro sentimento de culpa por não dar atenção como antes, expõe os defeitos do outro e associa tudo isso ao enfraquecimento do vínculo. A pessoa quer de volta o poder! O poder de controlar o outro: seus sentimentos, seus pensamentos, seus movimentos, seus desejos, seus projetos, seus sonhos. Tudo.

A tirania foi estabelecida.

Enquanto isso, o relacionamento vai se desgastando. Ambos começam um cabo de guerra e começam a fazer força. Um puxa para um lado (querendo viver sua vida, dividir sua atenção com a vida normativa como todo ser humano faz nesse mundo). O outro puxa mais ainda [querendo ser atenção infinita, ser paparicado(a), bajulado(a), adulado(a) naquilo que ele(a) acha que deve ser, ou por tédio de emoções cinematográficas…]. E nessa disputa, mais briga, ofensas, agressões… O relacionamento está por um fio.

Quando arrebenta, pode ser que não tenha mais volta. Um dos lados está tão desgastado que não quer mais ter contato com o que gerou o desgaste. Só resta o afastamento. A consequência natural é a sensação de abandono e solidão, tristeza. Alguns, nesse estágio, nem percebem como chegaram aí. E a porta, para a busca de alívio desses sentimentos incômodos de se sentir, fica escancarada: vícios e prazeres imediatos. Armadilha perfeita para afundar alguém na vida efêmera como forma de compensar a frustração da vida que não soube superá-la.

Essa é a pior consequência de colocar alguém no pedestal, cujo objetivo final pode ser querer a reciprocidade do outro também lhe colocar em um, tentando fazer de tudo para agradar a pessoa colocada primeiro lugar em sua vida, esperando depois ela colocar você em primeiro lugar na vida dela também. Só se lembre de uma coisa: a pessoa pode não ter te pedido para você colocá-la no pedestal da sua vida, ok?

E sabia que colocar alguém no pedestal é bem diferente de doação por completo? Vamos voltar na parte de você ter uma vida para viver e ter que dar atenção à essa vida, além de dar atenção às pessoas com quem você se relaciona, etc.. Quando você tem firmeza em viver SUA vida e compartilha integralmente SUAS vivências com quem está do seu lado, isso sim é saudável.

Compartilhar = partilhar + com. Por exemplo: se você tem um pão e vai partilhar com alguém um pedaço, você está matando a fome de duas pessoa (você e o outro). O princípio bíblico é amar ao próximo como (advérbio de igualdade, igual) a si mesmo, certo? Porém, se você tem um pão, dá tudo ao outro, você fica com fome para matar a fome só de 1 pessoa. Aí, há um problema. 

Com alimentos, até que aguentamos ficar sem comer por um tempo para dar todo o nosso alimento a uma outra pessoa. Mas esse princípio não se aplica na vida. Você dar toda a sua vida para outra pessoa, querendo que ela viva sua vida e se sinta satisfeito com ela, isso é um problema, além de ser impossível. Isso é o que muitos casais fazem.  Se anulam para viver a vida do outro. Isso não é compartilhar a vida. É tiranizar.

Se eu vivo a vida do outro, eu começo a querer opinar nela para que a vida dele comece a ficar de acordo com os gostos que EU tenho. Quem se anula, começa a ficar insatisfeito/entediado com a vida que o outro vive (porque é a vida do outro) e começa a querer opinar na vida do outro, com a intenção de fazer ela mesma mais feliz. O outro, obviamente vai rejeitar as opiniões dadas, por estar acostumado(a) a viver SUA própria vida e saber decidir as coisas sozinho(a). Aí começam os problemas intermináveis. E as cobranças é por onde eles iniciam. 

O direito de cada um viver SUA própria vida, suas próprias experiências são inalienáveis. Antes de você existir na vida da pessoa, ela já tinha uma vida para viver e continuaria vivendo ela, caso vocês nunca se conhecessem. 

Por isso, doar 100% sua vida ao outro implica em você acumular experiências que são só suas para você partilhar, dividir tudo o que você tem, mas que está dentro (e fica dentro) de você. E mesmo que você conte TODAS as suas histórias de vida (100% de doação de si ao outro), você nunca se esvazia: suas histórias vividas são experiências 100% suas, mesmo quando divididas ao contá-las aos outros, você continua sendo o dono das suas memórias compartilhadas. Essa é a principal diferença entre doação total e colocar alguém no pedestal.

Então, cada um(a) dando um jeito de ir viver sua própria vida, acumular experiências, vivências, lições e memórias para ir compartilhar com a pessoa que escolheu dividir a vida. E pode compartilhar 100% delas, que você vai continuar sendo o dono de tudo o que você viveu! Para quem não sabe: o nosso maior tesouro na vida se chama paz de consciência e experiências de vida bem vividas. Dinheiro nenhum no mundo compra isso!!! Fica a dica!

Por isso, fuja de quem te coloca em pedestais, ao menos que a pessoa idólatra resolva colocar a si própria lá, e tirar você do pedestal da vida dela. 

Escrito por Guliver Nogueira (09.09.2021)

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