Por que sinto vazio, sendo que tenho uma família, trabalho, saúde?

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Não basta estarmos de acordo com um checklist na vida. Tenho família – ok. Tenho trabalho – ok. Estou saudável – ok, logo serei feliz. Não. A vida só faz sentido verdadeiro, quando estamos dispostos a estabelecer com as pessoas, conexões verdadeiras e profundas que conduzem a bons relacionamentos sociais.

E é exatamente nesse lugar de bons relacionamentos saudáveis que temos a sensação de estarmos completos, preenchidos por dentro, tendo a convicção que a vida faz muito sentido, que sua existência é necessária e importante para quem está por perto.

O vazio existencial geralmente aparece quando percebemos que, dentro de nós, não existe uma disposição para aprofundar os relacionamentos e vínculos que temos com as pessoas. E, esse aprofundamento, passa obrigatoriamente pela via da intimidade.

Você pode ter irmãos, pais, mães, amigos, esposo(a), colegas de trabalho e essas mesmas pessoas não saberem absolutamente nada sobre você. Não sabem suas dificuldades, seus objetivos de vida, suas dores e angústias, suas vulnerabilidades, suas fraquezas. E também podem desconhecer as suas virtudes, qualidades, educação moral, bons sentimentos, boas experiências vividas por você.

Quando isso se torna assim, essas pessoas se tornam uma espécie de “conhecidos-desconhecidos”, que coabitam o mesmo lugar. Parecem viver em um hotel, em que as pessoas estão em contato uns com os outros, dividindo o mesmo ambiente físico, mas são completamente desconhecidos um ao outro.

Ora, se as pessoas que são sangue do nosso sangue, que deveriam ter vínculos profundos conosco, que deveriam saber nos acolher em momentos difíceis, que deveriam estar conosco nos bons momentos e estar dentro do círculo íntimo de vida que vivemos; não estabelecerem conosco essa conexão profunda, surge o questionamento: então, quem é que vai querer ter conexões fortes comigo?

Aí surge a sensação de vazio. 

Essa sensação é agravada ainda mais quando somos (ou nos deixamos ser) envolvidos na onda da superficialidade e da futilidade dos apetites sensíveis dos nossos órgãos dos sentidos. Ao constatar que não tenho ninguém e sou praticamente sozinho(a) no mundo, isso gera em mim uma dor. 

A dor de tentar achar na memória onde é que foi vivida alguma experiência de conexão profunda com alguém. E, por não conseguir achar, ou ver que, das experiências vividas, sobraram muito poucas ou nenhuma, eu passo a me sentir vazio.

Para anestesiar essa dor, partimos em busca de distrações como mecanismo compensatório: seja fazendo dancinhas; seja maratonando séries, que até expõem temas interessantes, mas que pouco contribuem para eu conseguir gerar conexão forte com pessoas; seja tirando fotos sensuais em busca de likes, e por aí vai.

Ao entrarmos nessa onda, podemos ir fundo nessa busca por anestesias emocionais, tentando a todo custo, calar a voz interior que insiste em gritar: “você não tem ninguém. As pessoas não querem saber da sua vida. Você é sozinho(a). Você não é importante. Cadê as pessoas que podem te ajudar?”.

Vendo esse vazio existindo dentro de si, a pessoa vai precisar tomar uma decisão: 1- afundar nesse mar de vazio, 2- fazer movimentos contínuos contra isso.

Se a pessoa escolher afundar no mar do vazio existencial, isso terá um preço a ser pago no futuro: a sensação de profunda solidão. Mesmo que as pessoas estejam repletas de outras pessoas ao redor, ela vai se sentir só, como se estivesse no meio do deserto: solitária, vulnerável, desamparada, perdida, achando que o único fim que ela tem é a morte.

Isso explica o porquê muitos artistas e famosos se suicidam ou se envolvem em comportamentos polêmicos. Eles têm tudo. Muito mais que muita gente pode ter a vida toda: fama, dinheiro, poder, prazer, etc. Mas, ter tudo isso não é capaz de comprar uma coisa inerentemente humana: conexão sincera, profunda e verdadeira com pessoas. E, no caso dos famosos, isso é ainda um pouco mais grave. 

O famoso, como tem acesso a muita coisa que os outros não tem, passa a enxergar as pessoas através de um “óculos”: o do interesse de tirar vantagem do que ele tem, sem se importar com quem ele é. Todo mundo que acaba se aproximando do artista, ele passa a achar que existe algum interesse material por trás. Pode até ser que tenha mesmo. Porém, é sempre um engano generalizar. 

Os diamantes, por exemplo, são raros de encontrar na natureza, mas existem. Para um garimpeiro achar um, ele precisa jogar fora muito pedregulho e cascalho. Um “garimpeiro” de pessoas com uma visão ruim para reconhecer “diamantes”, pode correr o risco de acabar jogando fora os “diamantes” encontrados (que viria em forma de pessoa) achando que são “pedregulhos”… 

E isso tem tudo a ver com as relações humanas. O diamante pode ser a representação da conexão verdadeira que desejamos. No fundo, queremos ter conosco, uma pessoa rara: que nos aguente, que nos resgate do nosso pior lado, que nos ajude a melhorar, que nos acolha quando estamos mal, que nos oriente com sabedoria, que nos faça sentir especial quando estamos nos sentindo um merd*, que nos mostre o valor e importância que temos na vida dela e dos outros, que esteja disposta a suportar os momentos difíceis para ver nossa melhora e evolução entre outros.

Esse tipo de relação é o que faz as pessoas sentirem que a vida está completa, que faz você se sentir preenchido por dentro. 

Porém, para tudo isso acontecer, é necessário algo também existir dentro de cada um de nós: a profunda confiança na capacidade do outro ser melhor e conservar essa pessoa por perto, estimulando-a, até ela conseguir trazer à tona a sua melhor versão.

Fazendo isso acontecer, eu conseguirei iniciar a busca por fazer o movimento contra a superficialidade e buscarei viver na intimidade com quem gosto. Porém, o que o mundo tem incentivado para nós fazermos uns com os outros, é enxergar o outro ser humano como um produto descartável, feito para ser “eterno enquanto dure”. 

Você vai lá, “consome” algo daquela pessoa, e quando ela não te “servir” mais, você “descarta” e “joga fora”. 

Isso, geralmente, é o que fazemos com coisas. Por objetos, não desenvolvemos afeto profundo, conexão íntima como fazemos com seres humanos que amamos profundamente. Mesmo quando nos apegamos a algum objeto, podemos conseguir nos desfazer dele mais fácil. Ou pelo menos deveria ser mais fácil. Porém, esse descarte, nunca pode ser feito com pessoas. Jamais. E mesmo assim, é o que muitos andam fazendo: tratando pessoas como objetos descartáveis. Trato-as como algo sem sentimentos.

Assim é a sociedade líquida que temos vivido. As pessoas acham que estão tratando o outro como se ele fosse um ser humano, mas na verdade esse tratamento precisa mudar muito para ser considerado um tratamento humano. Objetificamos as pessoas. Ao longo de algumas décadas, nós temos aceitado nos oferecermos como um produto numa “vitrine”. Mais especificamente, em uma tela de celular.

Por trás dessa tela, oferecemos algo de nós numa “prateleira” virtual: humor, reflexões, pensamentos, textos, dança, pedaços do corpo expostos… Cada um, sutilmente, se objetificou. E, inconscientemente, temos levado isso para as relações sociais ao vivo. Ou seja, estamos sendo “adestrados” a enxergar as pessoas como objetos e que vão ser instrumentos para a minha busca de “símbolos de poder”: ter muitos likes, seguidores, ser famoso, ter grana, prazeres, elogios e outras coisas…

E no meio disso tudo, te questiono: onde ficam as relações humanas profundas, que conseguem nutrir os seres humanos a partir da alma e dar a sensação de completude? 

E essa necessidade profunda tem sido estimulada a ser gradativamente trocada por futilidades insaciáveis. Querem ver como?

Ao nos oferecemos numa tela de celular, numa prateleira virtual, com algum pedaço do corpo exposto, por exemplo, o próprio aplicativo passa a sugerir para você ver várias outras pessoas expondo igualmente algum outro pedaço de corpo. Pela oferta de vários “produtos” na prateleira, quem observa terá de fazer uma escolha: quem é o melhor?

Com isso, se o outro está fisicamente mostrando algum diferencial, isso já é capaz de prender o observador ali. Esse processo de seletividade acontecendo ao longo de semanas, meses, anos a fio, vai condicionando em seu cérebro um aprendizado novo. Pessoas passam a ser escolhidas para interagir de acordo com critérios estéticos. O conteúdo? Pouco ou nada importa.

O aplicativo vai te incentivando a valorizar nas pessoas e dar o seu “like” (gostei) mais para o corpo dela, ou na dancinha dela, ou na gracinha bizarra dela, ou na piada sem sentido, e por aí vai… 

Valorizar quem tem algo a compartilhar? Conhecer os sofrimentos dela? Ajudá-la em um momento de dificuldade? Fazer reflexões sobre a vida? Entender algo de forma mais profunda? Ah não, isso é chato. Não emociona. Não impacta. Não atrai atenção. Não me faz querer dar “like”. Isso pode estar mudando de algum tempo pra cá, mas ainda a passos muito lentos.

E assim, vamos levando esse tipo de interação vazia (de valorizar aquilo que é fútil no outro) para a família, amigos, trabalho, casamento… Quando vamos interagir com eles e eles comigo, não tem profundidade, mas só superficialidade. 

Mas saiba que dentro de você existe, e continuará existindo, uma alma que só se sente preenchida com relações profundas, íntimas e verdadeiras.

Escrito por Guliver Nogueira (26.08.2021)

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