Você sabe o que é o luto entre pessoas vivas?

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O processo de viver o luto é comumente associado à perda de pessoas. Mas ele pode ir muito além disso. Pode ser que exista o luto entre pessoas vivas.

Pode soar estranho falar isso, mesmo a realidade nos mostrando algo que permita essa afirmação.

Uma das formas de descrever o luto é pela perda de algo ou alguém que significa muito para quem perdeu. Quando elas se vão, perdemos a interação agradável que costumávamos ter. Essa interação passa a não mais existir e se transforma em memória afetiva.

Entre as pessoas vivas, igualmente podemos perder essa interação. A diferença é que, ao invés de morte, há uma escolha em vida, que permite essa perda. Quando, por qualquer motivo for, alguém escolhe interagir de maneira profundamente desrespeitosa, ela pode começar um processo de desgastar o bom vínculo existente.

E seu extremo seria a “morte” do vínculo.

Se a escolha de uma das partes for a manifestação, sempre que oportuno, do desrespeito que desgasta a relação, esse ato pode se tornar irreversível. Depois de algum tempo, por tanta interação desgastante, o fio invisível que liga afetivamente duas pessoas se rompe. E o efeito comportamental gerado por uma relação afetiva rompida é a manifestação da indiferença, junto com o ato de ignorar.

O processo natural de uma relação social saudável em que há demonstração de afetos, emoções, diálogos, interações positivas, presença, entre outros; simplesmente passa a não mais acontecer, mesmo com a pessoa viva. E, caso alguém queira saber a causa para que esse tipo de interação surja entre pessoas, é fácil responder: o narcisismo.

O narcisista não enxerga muito as pessoas como pessoas. Elas, lhes são objetos, que devem trazer algo de útil para sua vida, a fim de satisfazer suas necessidades egoístas e egocêntricas. Para quem não sabe, narcisistas são pessoas que gostam de ser consideradas não só o centro das atenções, mas também os melhores em tudo.

Tudo mesmo.

As relações sociais que não os colocam nesse patamar se tornam descartáveis. Se a pessoa não o bajular, não for ao encontro dele, não colocar panos quentes em seus erros, não o defender contra quem o acusa de algo (mesmo que esteja errado), ela terá sérios problemas.

Jogos psicológicos, manipulação, julgamentos, difamação, calúnia, cancelamento, ataque à autoestima, alienação psicológica com você mesmo para você duvidar de quem você é, são algumas das consequências possíveis. E a pior delas, para muitos, é você ser tratado como se você tivesse morrido, mesmo estando muito vivo.

E não ache que só por você ter se afastado da convivência de pessoas tóxicas, manifestando algum grau do ato de ignorar, você está sendo narcisista. Não. Na realidade, você está se protegendo de quem foi (ou é) narcisista com você.

E pode ser sim, que tenhamos atitudes narcisistas em alguns casos e circunstâncias. Atos isolados não são suficientes para classificar ninguém de nada. Até para diagnóstico médico, a presença de um sintoma só não diz muita coisa, mas o conjunto deles sim.

Agora, veja você como estamos nos constituindo como sociedade, pós advento das redes sociais. Vá em uma cafeteria, um restaurante ou até mesmo no ônibus, ou qualquer lugar onde tenham pessoas juntas e observe-as. Hoje em dia, você pode contar nos dedos quem não está com um celular nas mãos, dando atenção ao conteúdo ali mostrado.

Ora, nosso campo de atenção é muito valioso para nossa sobrevivência e de quem está perto de nós. Quando alguém foca a atenção em algo, o objeto dessa atenção pode ser considerado a coisa mais importante para aquele momento. O que define isso é o efeito disso na prática.

Imagine você caminhando e um poste bem à sua frente. Se você não der atenção e andar distraído, você pode bater com sua cabeça no poste e se machucar. Nessa situação, o ato de prestar atenção ao poste no meio do caminho seria a coisa mais importante, pois evitaria ferimentos.

O mesmo aconteceria para quando estamos em grupo e não damos atenção a algo perigoso. Isso aumenta a chance de que algo ruim possa acontecer.

Agora, aplique isso para as relações sociais e você entenderá o porquê de algumas queixas entre pessoas próximas: “Você só fica no celular!”, “vou quebrar esse celular na parede se você não guardar”, “o que é que tem de tão importante nesse aparelho?”.

Fica óbvio o motivo da queixa, né? Ou não?

Se não, voltemos à ideia inicial. Lembra daquele grupo de pessoas que opta por desrespeitar o outro nas relações, tratando-as com indiferença e as ignorando, até o ponto de causar o rompimento dos vínculos afetivos existentes?

E que esse outro passará a sentir que não tem mais importância ou “não existe mais”, como se tivesse “morrido”?

E o inevitável acontecer de ter o rompimento definitivo do vínculo social pregresso?

Pois é. É isso que gera o chamado – e tão estranho, “luto entre pessoas vivas”.

Escrito por Guliver Nogueira, 04.08.2022

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